segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um (nem tão) breve relato do 15º Cultura Inglesa Festival

Toca o celular
"Alô"
"Eaí, Alê. Vai no show no Parque da Independência?"
"Vou, mas só depois da corrida."
"A corrida acabou faz tempo. Vettel ganhou."
"Não essa. A outra; as 500 Milhas."
"Tá. Umas 16:00 vou pra lá."
"Beleza."
Um frio daqueles. Depois de almoçar estava deitado no sofá assistindo a corrida. Podia dormir a qualquer momento mas iria, sim, assistir ao show. Gang of Four não se vê todo dia.
Acaba a prova. Me preparo física e mentalmente. Sinto que tenho o dobro do peso de tanta roupa no corpo. 
As ruas estão vazias. O movimento é pequeno e até os ônibus demoram pra chegar. No meu caso são dois ônibus para chegar até o local. Mais ou menos uns 30 minutos de viagem. Pouco se ver que na última condução conversei com um cara que vinha de Diadema para assistir o show. "É a primeira vez que pego esse ônibus, sabe?" disse o rapaz munido, apesar de ser proibido bebida alcoólica dentro do parque, de vodca e uísque vagabundo. "Quer um trago?" "Não, sossegado."
A fila tinha duas entradas. Não estava cheio mas tinha gente. Passei o olho no vão dos tapumes que impediam a vista de quem estava de fora e não tinha muita gente. Buddy Guy e Norah Jones tinham bem mais gente. Por mim, tanto faz.O que importa é o show.
Ao passar pela segurança dava para reparar o negócio mais esquisito e que ficaria assim até o fim: a cara de gringo que todo mundo usava/portava/desfilava. Gente visualmente bonita em seus mais diversos estilos, mas tudo muito britânico, muito de súdito da rainha. Havia um punk que andava exatamente como aqueles podreiras dos anos 70. Até o tempo ficou meio inglês. Esperava a hora que alguém me perguntasse se eu não gostaria de uma xícara de chá. Não saberia diferenciar um brasileiro de um gringo.
Quando cheguei estava tocando a penúltima banda do dia: Miles Kane.
Em cinco minutos ouvindo percebi que se fechasse os olhos, pensaria que quem estava no palco era o Oasis de tanto que a voz de Miles se parecia. Tá, não bem um Oasis, mas um Oasis meia boca. Peguei ainda umas três, quatro músicas antes dele se despedir do palco. Nesse ponto o frio chegou ao ápice do absurdo. "Cara, sabe quando você fica meio irritado com o frio? Eu estou assim.", falou um amigo.
"Aê, pessoal. Quem gosta de fila? Então, a banda Blood Red Shoes estão aqui do lado direito do palco para dar autógrafo pra galera."
Eu não gosto de fila e nunca ouvi falar dessa banda. Aposto que só uma meia dúzia de paga pau vai e... quem são esses correndo para o lado direito do palco? Cacete! Tem gente paca indo pra lá. "Cara, é que você não viu a banda tocar. Eles arrebentaram.", falou uma amiga. Não duvido e esperarei o pessoal que viu dizer alguma cousa.
Não dava mais para ficar naquele tempo gelado. 
"Quanto falta para entrar o Gang of Four?" 
"De acordo com o panfleto, eles sobem lá pelas 18:30."
"Então temos uns 30 minutos para tomar algum negócio quente."
Depois dessa pausa para um aquecimento explosivamente etílico, chegou o Gang.
O barulho é nervoso, a banda toca de sua forma peculiar. Distorções e batidas ritmadas de uma maneira própria e que registrou o grupo entre os grandes do pós-punk 80.
No palco, Jon King (vocal) e Andy Gill (guitarra), os dois membros e cabeças originais, arregaçam. Os trejeitos e modos de como atuar são os mesmos de épocas passadas. Um jeito meio desesperado, estranho, Ian Curtis. Não falta os empurrões entre os membros.
Em dado momento de noise, barulho e microfonia com a guitarra, Gill a invoca, leva para o alto, o amplificador apita, bate com o corpo dela no chão até que acontece. A guitarra se quebra e definitivamente vira resto com uma paulada de Gill. O pessoal vibra, berra, empolga: "Destrói!", "Arrebenta!", "Taca fogo!" O ritual do poder de destruir e silenciar estava feito, era a música "Anthrax" que haviam tocado. Logo termina a primeira parte. Retornam pela primeira vez com "I Love a Man in Uniform". 
Nada se perde. É um som difícil de angariar simpatizantes e é claro que isso é o que menos importa. A arte prevalece e há representantes da música que se espelham e comentam que eles fizeram parte de sua influência. R.E.M., Red Hot, Nirvana e outros fazem coro pelo Gang of Four.
Um segundo bis aparece no instante que uma galera começa a ir embora. A parte, geralmente, matadora da bagaça se inicia, ou começa a chegar ao fim, dependendo do ponto de vista. A câmera foca um microondas e ninguém entende o que ele está fazendo ali. Jon King pega um pedaço de pau ou cacetete ou taco e PÁ! Com tudo na tampa do micro. Era a música "He'd Send In The Army".
Vi num show deles em 1981 (o "Urgh! A Music War") esse mesmo esquema mas com algo muito menos radical do que um eletrodoméstico utilizado como instrumento musical. Não preciso dizer que o negócio virou lixo. A cada cacetada, um amassado, uma peça que voa, a porta que cai e uma piscada com os olhos. Acabou a música e lá foi o que restou do microondas no chão da ala dos convidados - a gente diferenciada: Clemente, Supla e sei lá quem mais.
O show vai chegando ao fim, definitivamente. Tocam "Damage Goods", uma clássica matadora e, agora sim, sei que está acabando a apresentação. O refrão final, quando é solta a palavra "goodbye", fala por si só, não acha? Animal o som.
Tchau. Hora de se virar para ir embora. Não é tão tarde assim. São pouco mais das oito da noite. O frio não é tão forte como quando tocava a penúltima banda. Tranquilo.

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